Escrevi essa crônica em março de 2000, vinte e dois anosdepois, resolvi republicá-la sem alterações para nos ajudar a refletir como na constituição dos valores. Quase nada fizemos nessas últimas décadas para que a simplicidade fosse voluntária na classe média, de tal maneira que hoje, uma distribuição mais igualitária fosse possível. As mentalidades de consumo permitiram a instauração de uma plutocracia, onde os grandes conglomerados econômicos definem o destino dos povos, países e culturas. Enfim, espero que a leitura ajude a pensar e a compor ações de ativismo delicado por uma estética da vida viva. (Nina Veiga)
Quando optamos por viver de maneira mais simples, muitagente se espantou. Alguns confundiram com uma volta ao movimento hippie, outrosviram nisso uma manifestação mística. Mas foi bem mais do que isto tudo. A simplicidade voluntária, termo cunhado na década de 30, por Richard Gregg, umestudioso dos ensinamentos de Gandhi, é consequência de uma reflexão filosófica e consiste em vivermos com o que precisamos realmente e não em função de status ou consumo. Viver com simplicidade não é abandonar a sociedade para morar isolado no meio do mato, mas fazer escolhas. Escolhas baseadas na visão do todo, nas interrelações, respeitando as outras pessoas e também o meio ambiente. Consumindo somente o indispensável, sem desperdício. A idéia nãoé nova. Sócrates, Platão e Aristóteles já falavam do equilíbrio entre riqueza epobreza. Jesus mostrou-nos, com seu exemplo, o caminho da vida simples. SãoFrancisco entendeu o recado e priorizou a simplicidade. Do outrolado do mundo, Lao-Tsé resumiu afilosofia da simplicidade com a máxima: "aquele que sabe possuir osuficiente é rico". Os budistas acreditam que a virtude se situa entre a pobreza desnecessária e o materialismo irresponsável. Não é ocaso de se fazer um voto de pobreza, mas de colocar na perspectiva adequada asnossas necessidades. Por exemplo, por que temos de trocar de carro todos os anos? Nosso carro funciona? Nos transporta com segurança e conforto? Então para que manter o status do carro zero? Uma dasprimeiras coisas que descobri quando começamos a rever nossos hábitos deconsumo é que não há necessidade de ter um guarda-roupa muito grande. Poucaroupa é muito mais fácil de manter. Sempre que compro ou ganho alguma peça passo adiante outra. Assim faz muitos anos que tenho o mesmo número de cabides e gavetas. As comprasde supermercado também ficam mais rápidas e econômicas. Até me mudar para umacidade maior, não fazíamos supermercado. Tudo o que consumíamos em casa era comprado em hortas e entrepostos. Os produtos de higiene e limpeza eram tão poucos e simples que a venda da roça era o suficiente para o abastecimento. Muitascoisas extras entraram em nossa vida nos últimos tempos. Computadores, celulares,internet, coisas que nos deixaram mais pobres de uma maneira geral. Antes de ficar aqui no computador dedicava-me muito mais a arte. Antes de ter internet, tocávamos mais nossos instrumentos. Agora ahorta precisa competir com o pouco tempo que sobra no domingo entre os filmes eas séries. Resistimos a adquirir TV por assinatura, mas a internet veio e tomou horas preciosas. Quando vai sobrar mais tempo para as leituras, me pergunto constantemente. Viver é umaarte e com certeza viver de modo mais simples neste mundo do consumo e dapenalização da pobreza é um desafio. Mas é preciso lembrar que se todos tivéssemos o padrão de vida estadunidense, como métrica de estilo de vida, o mundo acabaria em poucos dias. Não teríamos recursos naturais para viver nem um mês. Quem sabese cada um de nós conseguisse viver com o essencial outras pessoas não teriamde viver com tão pouco? Pois a coisa mais importante que nos aconteceu nestatentativa de simplicidade foi perceber que cada dia é mais fácil dar e menosnecessário ter.